Depressão e Perturbação Unipolar - ansiedade, estigma e tratamento
março 24, 2020
A nossa vivência é um continuo de experiências e relações entre o vazio e o amor, a competição e a cooperação, a dor e o prazer, com menos ou mais possibilidade de irmos dando um significado ao que chamaremos vida.Na nossa condição humana encontramos a força anímica e competências para criar “caminhos e pontes” potencializando as nossas capacidades em prol de quem somos e de quem gostamos. Sendo a falta de saúde mental um dos fatores que nos impossibilita de potenciar essas nossas capacidades, gerando uma sensação de inutilidade e frustração, há um adoecer em que uma das formas mais comuns é o que chamamos de depressão(1). A depressão clinica é um estado caracterizado por um vasto conjunto de sintomas que se manifestam de diferentes formas, na maior parte do tempo durante um mínimo de duas semanas(2), verificando-se principalmente um humor persistentemente triste, desproporcional à situação que o desencadeou, uma perda de entusiasmo e energia, uma perda de interesse e prazer e, com alguma frequência a presença de ideação suicida. Classificação das Perturbações Depressivas No que se refere às perturbações mentais ainda há questões por esclarecer acerca da sua etiologia, sendo por isso usual basear as classificações na sua sintomatologia. Nesse sentido, a Depressão é classificada como uma Perturbação de Humor(3), diferenciando-se da Perturbação Bipolar por não se verificar a ocorrência de fases de elação de humor – hipomania e mania. Sendo então a Perturbação Depressiva uma Perturbação do Humor, de referir que o termo humor surge do latim humore, “líquido”, referindo-se ao nosso estado de espírito. Se pensarmos na nossa vivência e nas suas circunstâncias como um cenário, o nosso estado de humor, disposição ou ânimo dar-lhe-á o colorido em tonalidades mais agradáveis ou desagradáveis, mais alegres ou tristes, despoletando sentimentos entre o prazer ou entusiasmo e o sofrimento ou vazio. Nesta linha de raciocínio, a Perturbação Depressiva impõe ao cenário da vida um pano de fundo triste e vazio que não é reativo aos acontecimentos nem é passível de ser modificável pela pessoa, ao contrário do que sucede com a tristeza ou outros sentimentos e emoções. Na depressão encontramos um humor depressivo ou patológico, pois é desproporcional às circunstâncias na sua duração, persistência e tenacidade, deixando de ter uma função adaptativa, passando a necessitar de um tratamento. Para além do humor depressivo, outros sintomas estão presentes Depressão Clinica, que se verificam agrupados no quadro seguinte:
Quadro 1 – Aspetos Clínicos da Síndrome Depressiva [6] A nível cognitivo, o sofrimento que a depressão causa é, em parte, resultado da perceção que a pessoa tem de si, do mundo e do futuro(5) . A Depressão é então uma perceção construída com base numa atribuição distorcida e negativa da realidade, fortemente condicionada pela sensação de negativismo e pessimismo. Nesse sentido, a pessoa julga-se a si própria como não tendo valor, como sendo inadequada, indesejada e incapaz. Por sua vez, o mundo é tido como estando repleto de obstáculos intransponíveis, que mais vale nada tentar pois, caso contrário, só irá ter a sensação de estar a falhar ou a perder. E, para completar esta tríade da Depressão, a pessoa fica sem esperança no futuro, pois acredita que faça ou que fizer será sempre insuficiente para modificar a sua vida e o seu estado depressivo. A nível emocional ocorre mais frequentemente uma tristeza profunda e falta de ânimo, no entanto, em certas ocasiões, observamos uma labilidade emocional ou, choro fácil, e, em outras ocasiões, uma indiferença ou ausência de ressonância emocional: “eu não sinto nada…” é uma sensação descrita com angustia e causa de maior sofrimento. “Não sinto nada, não tenho como reagir...” Esta característica pode dar a falsa sensação de insensibilidade. Certos estados depressivos tendem a gerar um estado de desespero, que Viktor Frankl(6) descreveu como sendo um sofrimento sem esperança. Neste contexto a angústia é a antecipação de que o futuro será um continuo desespero (e não um estado, como na realidade o é), pois o sofrimento é sentido como indissociável da própria pessoa e da própria vida. Os números que se conhecem sobre o suicídio têm-nos desafiado a inovar pela saúde mental, prevenção e tratamento das perturbações mentais, bem como a desenvolver mais estratégias de acessibilidade aos serviços de saúde mental e a disputar o estigma associado a estas patologias. A Ansiedade Perante a perceção de um perigo ou medo, a experiência de ansiedade induz ou é acompanhada por reações fisiológicas e psicológicas [5], que nos preparam “pressionando-nos” a desenvolver competências e a procurar estratégias, para melhor lidarmos com a situação e, desse modo, alcançarmos os nossos propósitos. Nesta perspetiva e até certa medida, a ansiedade é fundamental para o nosso desenvolvimento e sobrevivência e, em última instância, motiva-nos a escolher, perante o medo e a ambição, a viver de acordo com a nossa existência e essência. No entanto, ultrapassando um certo grau de intensidade e duração, a ansiedade passa a ser um sintoma ou sinal de que algo não está bem ou, ainda, uma perturbação mental. No primeiro caso é frequente a ansiedade estar associada a sintomas de Depressão, manifestando-se num pessimismo generalizado, como uma preocupação excessiva e uma sensação de perigo eminente. Tal estado, em que a pessoa se sente mais vulnerável, tende a gerar um estado de hipervigilância em que qualquer estímulo é tido como possível perigo, deixando a pessoa mais agitada sem conseguir descansar, num estado ansioso, numa depressão agitada. Nestes estados é frequente verificarmos uma maior irritabilidade com pouca tolerância à frustração. [6] No segundo caso as perturbações de ansiedade estão agrupadas em perturbações de ansiedade generalizada, perturbação de pânico, perturbações fóbicas e perturbação de stress pós-traumático. Os seus sintomas, tal como na depressão, variam entre ligeiros e graves, havendo uma tendência para a terem uma manifestação crónica. O estigma As consequências das perturbações mentais são várias a diferentes níveis: individual, familiar, social e profissional. A situação é ainda mais grave devido ao estigma(7). Quem estigmatiza tende a encarar muitas vezes estas perturbações como um sinal de fraqueza ou falha de carácter e não aceitar a condição como um estado de doença. Nesse sentido, estas doenças “são vistas como inconveniências sociais, nas quais os doentes têm muitas responsabilidades [7].” Apesar das mudanças, o estigma continua a ser uma realidade presente nos relatos e marcando negativamente as vivências de quem sofre com estas patologias, promovendo um isolamento que tende a agravar a situação patológica e não beneficia a recuperação e tratamento adequado. O preconceito pode chegar a ser tão injusto (e ridículo) como o acharmos que alguém com uma perna partida, por exemplo, não tem razões para deixar de correr ou até mesmo andar. O estigma acaba também por condicionar os relacionamentos. Num outro contexto seria expectável falarmos com um amigo que “estou deprimido porque…” ou “preciso de procurar ajuda num psicólogo ou psiquiatra por que não me sinto nada bem…”, tal ainda é pouco frequente, gerando uma “barreira” que cria distância e isolamento social. Assim, é bastante interessante o que se verifica, por exemplo, nos Grupos de Ajuda Mútua na ADEB, onde se partilham vivencias relacionadas com estas patologias sem julgamentos, promovendo a aceitação e autoestima. Um outro dado relevante, que também terá a influencia do estigma e de uma baixa literacia em saúde mental, é o intervalo de tempo entre o início dos sintomas e o tratamento médico. Tratamento O diagnóstico é fundamental para um tratamento adequado, evitando que a situação se agrave e se prolongue no tempo. O objetivo do diagnóstico não será o de rotular. Encarando a situação de uma perspetiva pragmática, quando se realiza um diagnóstico clínico é porque há um problema para tratar e, desse modo, apenas muda o facto de surgir a possibilidade de tratamento e de a pessoa ficar melhor. Sobre as perturbações depressivas e perturbações de ansiedade – as perturbações mentais mais comuns – Stuart A. Montgmomery [9] refere que para muitos médicos dos cuidados primários, a ansiedade e a depressão são consideradas uma só doença, uma vez que a maioria das pessoas apresenta em simultâneo este tipo de sintomas. Em Portugal, quando se tem um problema emocional recorre-se maioritariamente ao médico de clínica geral ou medicina geral e familiar [8]. Face ao número reduzido de psicólogos clínicos nos Cuidados de Saúde Primários e nos Serviços Locais de Saúde Mental, tal “inviabiliza, em muitos casos, a abordagem recomendada em primeira linha nas normas de orientação clínica para as pessoas com perturbações mentais comuns – a psicoterapia.” p.11 [8]. O relatório da DGS sobre a “Depressão e outras Perturbações Mentais Comuns” refere que as perturbações depressivas tendem a manifestar-se de formas diferentes e “quando os diagnósticos são realizados baseados mais nos sintomas no que na génese ou origem da situação patológica causal, se verifica o recurso comum a fármacos como ansiolíticos, em vez de uma adequada avaliação psicológica prévia e eventual psicoterapia complementada ou não por medicação antidepressiva” p.12 [8]. Nesse seguimento, apresentamos a seguinte tabela:
Tabela 1 [10] Consideramos, deste modo, que a avaliação inicial é um princípio para um tratamento adequado. Quanto mais precoce for iniciado o tratamento melhor tende a ser o prognóstico, sendo que, para tal, requer que haja o reconhecimento dos sintomas como fazendo parte de uma doença. Como se verifica na tabela anterior, existem diversos tratamentos possíveis. Para além da terapia farmacológica e da psicoterapia, de referir a importância da participação em grupos psicoterapêuticos e grupos de ajuda mutua e, por indicação médica pode ser benéfico a estimulação magnética transcraniana ou a electroconvulsoterapia. Complementarmente à intervenção psíquica, importa salientar que de acordo com as necessidades, poderá ser fundamental o apoio a nível do Serviço Social. Um dos indicadores que prevê um bom prognóstico é o suporte familiar. Para tal importa envolver a família, bem como amigos e outros cuidadores, apoiando e informando a cerca destas patologias e de estratégias para uma melhor gestão do impacto que a depressão tem na família. Muito fica por dizer, mas para concluir, recordo que Dostoievski 8 referiu que o maior inferno é o sofrimento gerado pela incapacidade de amar, e por isso gosto de pensar no tratamento da depressão como um processo que pretende “devolver” essa capacidade de amar à pessoa: retirando-a do seu “mundo” de sofrimento, concedendo-lhe cuidado e a capacidade de autocuidado e autoestima e, de se relacionar e amar, num ato ou processo de se transcender e ser livre na sua condição para potenciar-se a criar. Sérgio Paixão Bibliografia [1] Pedinielli, J.P., Bernoussi, A. (2006). Os estados depressivos. Lisboa: Climepsi Editores. (1) O termo depressão apareceu no século XIV do latim a indicar uma passagem do alto para baixo. Já no séc. XIX, tornou-se um termo geográfico para designar o abaixamento de um terreno. A meteorologia e a economia também |
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